NOTA TÉCNICA: atuação técnica do cirurgião pediátrico
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18 de setembro de 2023São Paulo, 30 de agosto de 2023.
A Associação Brasileira de Cirurgia Pediátrica viu com preocupação o comentário emitido pelo Sr. secretário de Atenção Especializada do Ministério da Saúde, Helvécio Miranda, em 28 de agosto de 2023, amplamente veiculado pela imprensa e replicado via internet, a respeito de uma possível ampliação nas vagas de residência médica no Brasil, inclusive na área de Cirurgia Pediátrica.
Embora seja reconhecido o desequilíbrio notável entre o número de formandos em medicina e a disponibilidade de vagas de residência médica no Brasil, um problema grave, já que a residência médica atualmente é considerada um complemento essencial da formação médica, o planejamento de formação de especialistas é complexo, e não depende apenas de um ato executivo ou de vontade política.
Com relação à cirurgia pediátrica, é necessário considerar que:
- A formação mínima de um cirurgião pediátrico exige 12 anos (6 anos de medicina, 3 anos de residência em cirurgia geral, 3 anos de residência em cirurgia pediátrica) e o especialista médio trabalha por mais de 30 anos na área. Desta forma, o planejamento do número de profissionais com relação ao mercado de trabalho deve considerar a expectativa numérica da população pediátrica em algumas décadas, ou teremos falta ou excesso de profissionais.
- O exercício profissional seguro da cirurgia pediátrica depende de requisitos relativamente sofisticados. São necessários, minimamente, equipamentos e profissionais de anestesia pediátrica, métodos diagnósticos e materiais específicos. No caso de cirurgia neonatal são necessários também profissionais da área de ginecologia e medicina fetal e centros de terapia intensiva neonatal. Cirurgia pediátrica não admite improvisos. Mesmo expedições para assistência em comunidades carentes dependem de planejamento e disponibilização de estrutura técnica, ainda que em caráter provisório, conforme fartamente publicado na literatura médica, e a tendência atual é considerar que a fundação de uma estrutura permanente de atenção é mais efetiva do que o trabalho periódico não estruturado em comunidades carentes de assistência.
- A formação de um profissional de cirurgia pediátrica (residência médica na especialidade) exige uma sofisticação ainda maior, uma vez que a formação de um especialista não pode ser setorizada. Não podemos – dos pontos de vista legal e ético – capacitar um profissional especialista capaz apenas de atuação em algum setor restrito, a formação de um profissional especializado precisa ser plena, e é testada para a emissão do título de especialista. A formação de um especialista em cirurgia pediátrica, para obedecer à matriz de formação na especialidade, reconhecida pelo MEC, exige a disponibilidade de métodos, equipamentos e equipe multidisciplinar. Não é possível a formação correta de um especialista em cirurgia pediátrica sem a disponibilidade de centros de terapia intensiva pediátrica e neonatal, métodos de diagnóstico e imagem, medicina fetal, anestesistas capacitados para atendimento à criança e equipamentos cirúrgicos e anestésicos apropriados (permanentes e de consumo). Infelizmente, mesmo nos centros de referência do SUS já operacionalizados, são comuns desabastecimentos de material específico e déficits setoriais periódicos. Precisamos corrigir os problemas que já temos, antes de disponibilizar novos centros de formação.
Desta forma, é claro que um aumento na disponibilidade de vagas de residência médica em cirurgia pediátrica não depende apenas de “estímulos” ou “indução”.
Também nos espanta a ausência de um diálogo construtivo com especialistas através da CIPE, uma vez que o conhecimento com relação aos requisitos e expectativas de trabalho é evidentemente máximo entre profissionais atuantes. Temos dados técnicos, inclusive. Podem ser consultados, por exemplo, dois estudos recentes quanto ao exercício da especialidade no Brasil, publicados em revistas internacionais conceituadas no ano de 2023 (Jesus LE, Rosina AG, Ranha BC, Campos, MCMC. Pediatric Surgery in Brazil: bittersweet. Pediatr Surg Open, doi: https://doi.org/10.1016/j.yjpso.2023.100042; Bustorff-Silva J, Miranda ML, Rosendo A, Gerk A, Oliveira-Filho AG. Evaluation of the regional distribution of the pediatric surgery workforce and surgical load in Brazil. World J Pediatr Surg doi:10.1136/wjps-2022-000522. eCollection 2023).
Foram feitas algumas acusações às entidades médicas (“temos hoje uma obstrução da comissão de residência médica pelas entidades profissionais.”, “Miranda avalia haver um comportamento de reserva de mercado das entidades para impedir a ampliação da oferta de vagas”), que não procedem. A CIPE quer planejamento adequado e técnico, para que os especialistas possam trabalhar com qualidade e atender corretamente e com bons resultados às demandas das crianças e adolescentes brasileiros. Quer – e precisa – de salários razoáveis, postos de trabalho suficientes e estrutura correta para que os especialistas trabalhem.
Defesa profissional não é uma desonestidade ou sinal de desapreço à cidadania. Defende, em conjunto, profissionais e pacientes. Defende a boa medicina. Defende medicina de qualidade para todos. Ricos e pobres, poderosos e cidadãos comuns.
ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE CIRURGIA PEDIÁTRICA