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7 de março de 2022fonte: MedScape
A glamourização dos cigarros eletrônicos promovida por influenciadores digitais, filmes e séries em plataformas de streaming voltadas para o público jovem repete fórmulas antigas de empresas de tabaco para atrair consumidores. Assim como acontecia décadas atrás, quando apareciam fumantes nos filmes de Hollywood e as empresas de cigarros patrocinavam eventos culturais, a nova geração vai pouco a pouco se familiarizando com a adição à nicotina, que parecia superada após o Brasil aderir à Convenção-Quadro para o Controle do Tabaco (CQCT) da Organização Mundial da Saúde (OMS). [1]
Um artigo publicado em 1º de dezembro de 2021 no periódico Global Public Health [2] revela que, em 1976, a indústria do tabaco começou a investir no mercado de jovens brasileiros, buscando atrair consumidores para os cigarros light. A falsa mensagem que chegava aos médicos e à população geral, assim como ocorre hoje em relação aos cigarros eletrônicos, era que o light seria uma alternativa aos cigarros comuns, uma “redução de danos”.
“Cigarro não é um produto inocente. O light surgiu como uma resposta às denúncias de doenças causadas pelo fumo”, afirmou a Dra. Tânia Maria Cavalcante, médica sanitarista e secretária executiva da Comissão Nacional para Implementação da Convenção-Quadro para o Controle do Tabaco. Ela conta que os dados da Convenção mostraram que houve um decréscimo das vendas de cigarros tradicionais mundialmente. “Aí surgiu o mercado do cigarro eletrônico”, informou.
“Algumas estratégias atuais da indústria consistem em voltar a normalizar o uso da nicotina, criar uma falsa distinção entre fumar e vaporizar, e colocar na mídia declarações de cientistas pagos pelas empresas de tabaco para simular controvérsias no meio médico e científico”, disse o Dr. Paulo César Rodrigues Pinto Corrêa, coordenador da Comissão de Tabagismo da Sociedade Brasileira de Pneumologia e Tisiologia (SBPT).
Depois dos vazamentos de documentos internos das empresas nos anos 1980 e, especialmente após 2017, quando o Departamento de Justiça dos Estados Unidos condenou empresas de tabaco a declararem publicamente que haviam enganado a população, ficou claro que havia uma dicotomia entre a face externa de “responsabilidade social” propagada e os prejuízos causados. Na época, as empresas foram condenadas por distorcerem e minimizarem a capacidade da nicotina de causar dependência química; por projetarem os cigarros para criar dependência; por apresentarem de forma falsa cigarros light/com baixo teor de nicotina como menos perigosos; e por negarem o marketing direcionado à juventude e os danos do fumo involuntário. [3]
“A Philip Morris adicionava amônia a uma de suas marcas para liberar mais nicotina, como mostrou o filme The Insider” (em português brasileiro: O Informante), acrescentou o Dr. Paulo, que é coordenador docente no Brasil da iniciativa Education Against Tobacco (EAT). [4] “Os médicos têm obrigação de se informar cientificamente, não aceitar financiamento das indústrias e cobrar a fiscalização”, ressaltou.
A venda de cigarros eletrônicos foi proibida no Brasil pela Resolução da Diretoria Colegiada da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa): RDC nº 46, de 28 de agosto de 2009, [5] mas os produtos são comercializados na internet e há um lobby da indústria pressionando por sua liberação, inclusive no meio político. [6]
“A indústria sabe que a comunicação é essencial para estimular o consumo, e o estudo publicado no Global Public Health mostra como a propaganda captou a necessidade de liberdade do período final da ditadura para atrair a juventude”, explicou o Dr. Paulo. Segundo ele, há uma lacuna em relação ao tema também nos currículos das faculdades, o que torna estudantes de medicina igualmente vulneráveis às divulgações em mídias sociais e à normalização do uso e da disseminação do mito de que é possível usar cigarros eletrônicos para parar de fumar ou reduzir danos.
A frase, que se repete desde os anos 1950, é sempre a mesma: alternativa para quem não pode ou não consegue parar de fumar. “Cigarro eletrônico não é redução de danos: traz danos já conhecidos e outros novos. Portanto, o tratamento consiste em parar de usar cigarro eletrônico ou convencional”, disse o Dr. Paulo.
A doença pulmonar associada ao uso de cigarro eletrônico ou vaping (EVALI, do inglês E-cigarette or Vaping product use-Associated Lung Injury), que levou a mortes nos Estados Unidos, [7] é um novo risco. Segundo o médico, ainda não há estatísticas no Brasil sobre o número de casos. A SBPT divulgou um alerta e solicitou que os profissionais de saúde enviem informações sobre eventuais casos. Pacientes com EVALI podem apresentar sintomas como febre, dor torácica, dispneia, náuseas, diarreia, vômitos e calafrios, bem como alterações na radiografia e tomografia semelhantes às observadas na covid-19. Por isso, o diagnóstico diferencial precisa excluir outras doenças e confirmar se houve exposição ao cigarro eletrônico nos últimos 90 dias.
Há atualmente cigarros eletrônicos com sistema aberto, em que a pessoa manipula o líquido a ser usado; outros com sistema fechado, que incluem refil padronizado; com tabaco aquecido, que utilizam refil de folhas de tabaco. Os que têm sistema fechado “tipo pod”, semelhantes a pendrives, facilitam o uso escondido em escolas. A propaganda os apresenta como produtos tecnológicos, clean. “Tem até vídeos ensinando como aumentar a nicotina do líquido do cigarro eletrônico, alterar os watts, modificar o fluxo de ar e soltar mais fumaça”, observou Dr. Paulo.
A Dra. Tânia, que também é coordenadora da Política Nacional de Controle do Tabaco, enfatizou: todos são prejudiciais à saúde. “O sal de nicotina do JUUL ®, que foi muito usado por jovens norte-americanos, causa até mais dependência que os cigarros tradicionais – não há nível seguro”, salientou. Além disso, os filamentos que fazem a vaporização são cobertos por metais como níquel e cromo, que causam câncer de pulmão e paranasais. “É preciso olhar para o futuro. Está na hora de proibir qualquer veículo de nicotina que encha nossos pulmões de lixo”, afirmou.