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20 de abril de 2021A imprensa mostrou no último domingo, dia 18, o caso da separação das gêmeas Eloá e Sara. Um caso difícil que foi acompanhado por toda uma equipe multidisciplinar que envolveu profissionais de saúde do Instituto da Criança, do Instituto Central e do Instituto do Coração do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da USP.
Os pais, moradores da cidade de Alvorada do Oeste, no interior de Rondônia, receberam a notícia que seriam gêmeos siameses, unidos pelo tórax e pelo abdômen, no 2º ultrassom e que seria uma gravidez complicada com poucas chances de sobrevivência os bebês.
A equipe de Cirurgia Pediátrica e Transplante Hepático do Instituto da Criança (HC/FMUSP) é reconhecida pela sua grande experiência em casos de gêmeas conjugadas. Assim, a Dra. Adélia Pompeu, obstetra da cidade de Ji-Paraná, em Rondônia, entrou em contato com o Dr. Marcos Marques da Silva, um dos staffs da Cirurgia Pediátrica do instituto, relatando o caso. Prof. Uenis Tannuri, chefe do serviço, autorizou a transferência da gestante para São Paulo, em agosto de 2020.
Assim chegando ela teve consultas e passou a ser acompanhada pelas equipes de Medicina Fetal e Obstetrícia do Instituto da Criança (HC/FMUSP).
Em setembro de 2020, sabedores do grande risco do parto e dificuldades na reanimação dos bebes, foi optado pela realização do parto no próprio centro cirúrgico do Instituto da Criança. As equipes de Neonatologia do Centro Neonatal e Centro de Terapia Intensiva Neonatal 2 (CTIN2) fizeram, com sucesso, os complexos procedimentos de reanimação e entubação orotraqueal das duas recém-nascidas, levando-as depois para a UTI do berçário (CTIN2).
“Com as pacientes no berçário, bem assistidas pelas equipes de Neonatologia, enfermagem e fisioterapia, pretendíamos fazer a divisão das crianças mais a frente, como é rotina no nosso serviço. Se as pacientes tivessem condições de retornar à sua casa e realizarem a cirurgia após seis meses ou um ano, seria melhor pois estariam mais nutridas, maiores, com mais tecido muscular e subcutâneo, facilitando a reconstrução. Porém, nos exames que realizamos após o nascimento, percebemos que elas estavam bem compensadas na parte abdominal, mas uma delas possuía uma cardiopatia grave (dupla via de saída do ventrículo direito + CIV e PCA) e uma comunicação venosa entre os dois corações. Isso nos gerou um alerta”, afirmou o Dr. Marcos Marques.
Neste momento, foi contatada a equipe de Cirurgia Pediátrica Cardíaca do Instituto do Coração (HC/FMUSP) e, em conjunto, optou-se por transferir as pacientes para o Instituto do Coração. A partir daí, ocorreram reuniões virtuais com integrantes das equipes de Cirurgia Pediátrica, Cirurgia Pediátrica Cardíaca, Cirurgia Plástica, Neonatologia, Fisioterapia, Enfermagem, Anestesiologia e da UTI Pediátrica.
“A equipe de diagnósticos por imagem, aos cuidados do Dr. Walter Ishikawa, forneceu imagens precisas, tridimensionais e foram computadorizadas em realidade virtual, o que muito ajudou na compreensão da anatomia dos gêmeos e na possibilidade de separação”, disse Dr. Marcos
Chegou-se a conclusão que, devido às condições das pacientes, havia grande risco de perder uma das crianças, não seria possível esperar muito tempo para realizar a operação. A cirurgia foi então marcada.
“Pelos estudos que foram realizados, não haveria tecido suficiente para reconstrução da caixa torácica e do pericárdio. Como a colocação de telas artificiais poderiam, com o tempo, lesar o coração, o Dr. Dov Goldenberg, da equipe de Cirurgia Plástica do Instituto Central, sugeriu a colocação de matriz acelular que seria aos poucos povoada com células, assim ficando uma superfície mais lisa, sem danificar o coração. E isso que foi feito”, declara o Dr. Marcos Marques.
Uma semana antes da cirurgia foi feita uma simulação para treinar todos os cerca de 40 profissionais que participariam do procedimento.
A operação, que foi realizada em dezembro de 2020, dois meses e 15 dias após o parto, teve início com o procedimento cardiológico, para ver a viabilidade da separação do coração e se as crianças conseguiriam sobreviver à cirurgia.
“As duas tinham o mesmo batimento cardíaco, com uma comandando o coração da outra. Foram instalados marca-passos nos dois corações para que quando ocorresse a divisão, caso uma não conseguisse ter frequência cardíaca própria, o marca-passo externo ia manter a frequência das duas”, relatou o Dr. Marcos Marques.
O Prof. Marcelo Jatene, cirurgião pediátrico cardíaco, auxiliado pela Dra. Maria Raquel Massoti, iniciou a cirurgia dividindo os corações. Havia sempre o receio que a gêmea Eloá não sobrevivesse a esta divisão. Assim, o Prof. Uenis Tannuri e Dr. Marcos Marques da Silva entraram juntos no campo cirúrgico. Com a estabilidade das pacientes após a separação cardíaca, procedeu-se a separação do fígado, órgãos abdominais e toda cavidade abdominal. Após isso, a gêmea Elóa foi levada para uma segunda sala cirúrgica, onde estavam as equipes multidisciplinares.
Os cirurgiões pediátricos cardíacos ainda realizaram a bandagem para diminuir a hipertensão pulmonar de Eloá. Os cirurgiões pediátricos, após hemostasia e constatação de normalidade dos órgãos da cavidade abdominal, reconstruíram as paredes abdominais das crianças com telas. Então, entraram em ação os cirurgiões plásticos, rodando retalhos de pele que fizeram a cobertura dos abdomens. Previamente já havia sido colocado um extensor de pele, um balão inserido no subcutâneo, onde foi injetado soro provocando a expansão da mesma.
Com a bem sucedida cirurgia, vinha o pós-operatório e o acompanhamento das pacientes.
“A Sara possuía toda cavidade torácica, que foi fechada pela equipe cardíaca. Já a Eloá, tinha pulmões pouco desenvolvidos e o tórax sem o esterno, com o coração ficando coberto apenas pela membrana feita pelos cirurgiões plásticos. Após muita fisioterapia e tratamento na UTI, os pulmões se desenvolveram um pouco mais e conseguimos retirá-la do aparelho respiratório. Hoje ela continua no Incor devido a cardiopatia grave que não está totalmente compensada, enquanto que a Sara já teve alta e foi para casa”, conclui o Dr. Marcos Marques.
O Prof. Uenis Tannuri, chefe do serviço de Cirurgia Pediátrica do Instituto da Criança do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da USP, falou sobre o futuro destas crianças:
“Ao receber o caso eu estava otimista, porém preocupado. Era um caso complicado, que envolvia a parte cardíaca junto. Mas correu tudo bem e vejo um futuro muito bom para essas crianças, com boas perspectivas”, afirmou.
O procedimento realizado, como pode ser visto, só foi possível graças ao empenho, dedicação e união de médicos de diversas especialidades e de profissionais de saúde, como enfermeiros, fisioterapeutas, nutricionistas, entre outros. Também deve-se ao atendimento realizado ainda quando as crianças estavam na barriga da mãe, desde as consultas pré-natal em Rondônia, passando pelo acompanhamento das equipes de Obstetrícia e Medicina Fetal do Instituto da Criança (HC/FMUSP).
DIVISÃO DA EQUIPE DE CIRURGIA PEDIÁTRICA
SEPARAÇÃO E RECONSTRUÇÃO DA GÊMEA SARA
Prof. Dr. Uenis Tannuri, Dr. Marcos Marques da Silva e Dra. Carolina G. Maruyama
SEPARAÇÃO E RECONSTRUÇÃO DA GÊMEA ELOÁ
Profa. Dra. Ana Cristina Tannuri, Prof. Dr. Manoel Carlos Velhote e Dr. Bruno Jorge MM Alves