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16 de agosto de 2021Fonte: Agência Câmara de Notícias
Representantes do Judiciário e da sociedade civil apoiaram, em debate na Câmara dos Deputados, o veto do presidente Jair Bolsonaro ao projeto de lei aprovado pelo Congresso Nacional (PL 8219/14) que alterava o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) e poderia, segundo eles, retardar os processos de adoção. O veto ainda pode ser derrubado pelos parlamentares.
O assunto foi debatido pelas comissões de Legislação Participativa e de Seguridade Social e Família nesta sexta-feira (13). O projeto vetado determinava que a adoção de uma criança ou um adolescente só seria concretizada depois de fracassadas as tentativas de reinserção familiar. Porém, os debatedores ressaltaram, quase unanimemente, que a legislação brasileira já prevê a prioridade para a reintegração familiar antes da adoção, mas salientaram que ela não pode ser obrigatória quando houver risco para a criança.
O procurador de Justiça da Infância e Juventude do Rio de Janeiro e presidente do Observatório Nacional da Adoção, Sávio Bittencourt, salientou que juízes, promotores, defensores e advogados que lidam com a questão são favoráveis à manutenção do veto e disse que a tentativa de reinserção familiar não pode ser obrigatória em todos os casos, como sugere o projeto vetado.
“O que não se pode é obrigar em todos os casos que haja tentativas de reintegração familiar, porque há hipóteses em que há uma evidência de que a criança sofrerá enormes riscos de violência, de sevícia sexual e até risco de morte se reintegrada a um ambiente desagregado, despreparado para recebê-la de volta”, observou.
Prazos para a reintegração
Representante do Instituto Brasileiro de Direito da Família, Felipe Fernandes de Lima destacou que a legislação brasileira hoje (Lei 13.509/17) estabelece prazos para a tentativa de reintegração familiar. Segundo ele, a média nacional do tempo de destituição do poder familiar, para que a criança possa ser incluída no cadastro de adoção, é de sete anos e meio.
“Então, se a gente incluir essa expressão de tentativa sem dar prazo, isso vai piorar a situação de todas as crianças em situação de acolhimento no País, porque vai demorar mais do que os sete anos e meio, que já acontece de média no Brasil”, ressaltou.
Para Felipe Lima, “quem não tem família, tem pressa”. Ele citou dados atuais do Conselho Nacional de Justiça mostrando que hoje são 29,2 mil crianças em situação de acolhimento, sendo que destas 4,3 mil estão disponíveis para adoção, outras 24,9 mil estão em tentativa de reintegração. Por outro lado, são 32 mil pessoas habilitadas para adoção. O secretário dos Direitos Humanos de Belém, Max Costa, também teme que a mudança na lei retarde os processos de adoção.
Voz isolada
No debate, apenas a defensora pública do Estado do Rio de Janeiro Eufrásia Maria de Souza apoiou a mudança no ECA: “Apesar de ter sido voz isolada, mantenho o posicionamento de que a inserção da reintegração familiar na lei não vai implicar aumento de prazo ou tempo de internação, até porque existem outros dispositivos legais do estatuto que preveem tanto prazo para a ação de adoção quanto de destituição do poder familiar, que não são obedecidos por falta de estruturas das próprias Varas da Infância”, afirmou.
Demora para adoção
Williams Amaral Nogueira, que viveu dos 11 aos 18 anos em abrigos de Pernambuco, e depois foi adotado, acredita que, se sua família biológica tivesse condições, estrutura e interesse de ficar com ele, ele nunca teria ido parar no abrigo.
“Aí que eu vejo que teve um erro no meu processo e teve um erro nos processos de outras crianças que estão nos abrigos, e é justamente essa demora. Por que eu tive que passar tanto tempo dentro dos abrigos? Por que teve que passar tanto tempo antes de eu ser destituído? Por que teve que ter tanto tempo para eu ser inserido no Cadastro Nacional de Adoção? Isso me prejudicou muito”, disse.
Segundo Williams, dentro do abrigo, ele não teve psicóloga ou assistente social para acompanhá-lo e houve pouca inserção na vida social, além de ele não ter tido preparo para a vida profissional. Ele considera importante dar visibilidade às crianças e adolescentes que vivem em abrigos por meio de campanhas de adoção. Foi esse tipo de campanha que permitiu que ele fosse visto pela família que o adotou.
O deputado David Miranda (Psol-RJ) lembrou que o Brasil tem um número enorme de pessoas na fila de adoção, mas a maioria das famílias só quer adotar bebês ou crianças muito novas. Na audiência, também foi destacado que a busca maior é por crianças brancas.
Serviços de acolhimento
Representando o Movimento Nacional Pró-Convivência Familiar e Comunitária, Dayse Cesar Franco destacou que a adoção tem que ser feita a partir do interesse da criança, não da família. “As crianças e adolescentes não são produtos de supermercado”, disse. E acrescentou que várias crianças adotadas são devolvidas, e os efeitos são catastróficos.
Na visão dela, os serviços de acolhimento do Estado são protetores da vida de crianças e, com qualidade, podem oferecer desenvolvimento pleno. Segundo Dayse, a qualidade do serviço de acolhimento precisa ter critérios de avaliação, e esses critérios precisam ser fiscalizados pelo Poder Judiciário, pelo Ministério Público e pelos conselhos tutelares.
Ela lembrou de outras alternativas de cuidado, que são pouco utilizadas e recebem pouco investimento do Estado, como o apadrinhamento afetivo de crianças que vivem nos abrigos, a guarda subsidiada para a família extensa e o acolhimento conjunto da família e da criança.
Conselheira tutelar do Rio de Janeiro, Patrícia Félix, também chamou a atenção para a necessidade de investimento público e capacitação nos abrigos. Ela manifestou apoio ao veto ao projeto de lei, e observou ainda que muitas vezes há dificuldade de inserção especialmente de adolescentes em suas famílias, que muitas vezes os rejeitam.
Apoio às famílias vulneráveis
Para o juiz de Direito do Estado de São Paulo, Iberê de Castro Dias, o grande objetivo a ser alcançado é que o número de adoção seja o menor possível. “É essencial que a gente pense numa forma de reduzir ao máximo o número de famílias que se veem vulneráveis a ponto de perder suas crianças e adolescentes”, afirmou. Para isso, conforme ele, é preciso fortalecer a assistência social do Estado a essas famílias.